Capítulo 7 – Especial #Afagro20anos
Os fiscais estaduais agropecuários fizeram parte de movimento que resultou em uma das maiores greves do funcionalismo estadual, no final de 2019 e início de 2020. Milhares de servidores, da Capital e do Interior, se mantiveram mobilizados por quase um mês contra o parcelamento e o atraso dos salários, situação que teve início no começo do governo José Ivo Sartori (2015-2018) e já se arrastava por quatro anos, e pela reposição das perdas salariais, reivindicação que se mantém até hoje. O objetivo também era tentar barrar o pacote da reforma administrativa do governo Eduardo Leite (2019-2022).
Ao lado de dezenas de sindicatos e associações, a Afagro fez parte desta greve histórica. O movimento foi encampado pelo Cpers, Sintergs, Sindsepe, Sindicaixa, Ugeirm e Sindicato da Polícia Penal do RS. “Foi um momento bem marcante e de muito aprendizado”, lembra o fiscal estadual agropecuário Pablo Fagundes Ataíde, que recém havia sido eleito presidente da Afagro. O servidor ingressou no Estado em 2017 e já recebeu o primeiro salário com atraso, exatamente na época em que os intervalos entre um pagamento e outro começaram a aumentar.
“Não dava mais para trabalhar sem salário. Defendi que a gente tinha que entrar em greve.” A manifestação de Pablo em defesa da greve já ocorreu em assembleia unificada realizada pelos sindicatos para avaliação da conjuntura e definição dos rumos do movimento. Em um primeiro momento, recorda, foi voto vencido. Isto porque, inicialmente, os servidores aprovaram apenas o indicativo de greve geral.
Onze dias depois, em nova assembleia, a greve foi oficializada, tendo início no dia 26 de novembro até 22 de dezembro, quando foi suspensa e retomada no dia 27 de janeiro, quando o pacote do governo Eduardo Leite entrou na pauta para votação na Assembleia Legislativa.
Paralisação dos fiscais teve grande impacto
A Afagro teve 45 representantes de 19 regionais do Estado e da central no comando de greve. Mais de 100 inspetorias de defesa agropecuária de todo o Estado tiveram adesão de 100% dos servidores. Na capital e no interior, os fiscais agropecuários fizeram ações lúdicas, como a distribuição de bananas e de maçãs. O objetivo conversar era com a população sobre a situação dos servidores públicos e mostrar a importância da atuação da categoria para a economia e a segurança alimentar.
No que diz respeito às atribuições dos fiscais estaduais agropecuários, a greve suspendeu a emissão das Guias de Trânsito Animal (GTAs) e parou os abates nos frigoríficos. A paralisação resultou ainda na suspensão da emissão das Permissões de Trânsito Vegetal (PTVs) e das Guias de Livre Trânsito (GLT) do Vinho, entre outras atividades.
Levantamento feito pela associação na época estimou que, só na área vegetal, o impacto econômico nos dez primeiros dias de greve foi superior a R$ 42,3 milhões. O montante referia-se a cargas de maçã, citros, sementes e mudas de flores, por exemplo, além de derivados de uva e vinho transportados a granel, impossibilitadas de serem comercializadas.
O impacto também foi sentido nos frigoríficos. Os estabelecimentos que abatem bovinos tiveram redução de 32,69% no número de animais enviados para o abate. Os de ovinos registraram queda de 36,22%. Nos dois casos, os números referem-se aos cinco primeiros dias de greve na comparação com os cinco dias anteriores à paralisação.
Corte no ponto
“Foi uma greve justa, porque estávamos com os salários atrasados. Mas os servidores tiveram o equivalente a um salário de desconto”, lamenta o servidor. O corte do ponto foi um duro golpe para todos os servidores que participaram da greve. Pablo pontua que esta é uma estratégia utilizada pelos governos que defendem o Estado mínimo para desestimular a participação e desmobilizar. “Se usam do discurso de que o Estado está quebrado e, no entanto, não cobram os impostos das empresas que sonegam”, argumenta. “Vão desmanchando o Estado e os serviços para a população em benefício de pequenos grupos”, alerta Pablo.
Segundo o servidor, é importante contrapor este discurso. “A gente sabe que as coisas não são bem assim. Os argumentos estão aí, sabemos que o problema é a diferença de tratamento entre quem realmente paga o imposto e realmente é a mão de obra que faz o Estado funcionar, e aquele que sonega o imposto e que não fazem seu papel social na distribuição do pagamento dos seus tributos”, ressalta o fiscal. “Nos últimos episódios importantes que tivemos, no Brasil e no Rio Grande do Sul, vimos o quanto o serviço público é necessário e efetivo e faz a diferença no momento da emergência”, disse. Pablo refere-se à pandemia de Covid-19 e ao desastre socioambiental no Vale do Taquari.
Os avanços sanitários conquistados pela produção agropecuária também são mérito do serviço público, bem como os ganhos econômicos obtidos pelo agronegócio gaúcho e os que ainda virão com a retirada da vacina da febre aftosa. “Essencialmente, o serviço e o trabalho realizado com excelência é do servidor público da Secretaria da Agricultura, muito bem representada por profissionais extremamente qualificados na condução dos trabalhos com o apoio das cadeias produtivas”, salienta Pablo. O servidor acrescenta, ainda, a contenção do foco de influenza aviária na reserva do Taim e todo o trabalho feito todos os anos para a realização da Expointer – maior feira agropecuária a céu aberto da América Latina.
Pacote do governo sofreu alterações
Apesar da grande greve de quase um mês em frente ao Palácio Piratini e à Assembleia Legislativa, na luta contra a desvalorização e o sucateamento do serviço público, o pacote do governo Eduardo Leite acabou sendo aprovado em janeiro de 2020, retirando alguns direitos dos trabalhadores e reduzindo indiretamente a remuneração. Contudo, as perdas foram menores do que seriam se não tivesse ocorrido a mobilização.
A redução da insalubridade era um dos tópicos do projeto original que mais impactava para os fiscais estaduais agropecuários. No entanto, a mobilização do funcionalismo no Estado conseguiu derrubar este item e a insalubridade dos servidores foi mantida em 40% e 20% para médicos veterinários e engenheiros agrônomos.
O parcelamento e o atraso no pagamento dos salários se prolongaram até meados de 2020. Em 2022, Eduardo Leite concedeu apenas 6% de revisão geral. Os servidores seguem sem receber a reposição integral das perdas inflacionárias desde 2014.
Foto: Bruna Karpinski